Brasil, pra mim!, artigo de Anoushe Duarte Silveira

Ary Barroso.
“…Vou cantar-te nos meus versos…” Diz a letra de um dos clássicos da música nacional, “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso. Ser cantado em verso é, de fato, um grande privilégio. Os apaixonados cantam em versos o seu amor, as mães cantam em versos seus filhos, as matas são cantadas em verso, as cidades também, enfim… Ary Barroso cantou o Brasil, com toda sua diversidade cultural e racial, e, talvez, por isso, Aquarela do Brasil seja praticamente um hino alternativo para o país e para a música popular brasileira.
Este mês, Ary Barroso, o maior nome do gênero samba-exaltação, completaria 110 anos.
Chamada inicialmente de aquarela brasileira, recebeu esse título porque foi composta numa noite de 1939 na qual Barroso foi impedido de sair de casa devido a uma forte tempestade. Então, coloriu palavras, regeu frases, e cantou o Brasil, como ele mesmo disse: esse mulato inzoneiro. Cantou o Brasil não só nessa aquarela, mas em quase tudo que compôs, pois a beleza de nossa gente miscigenada, de nossas matas, de nossa cultura, de nosso samba sempre esteve presente em sua música.
O mineiro, de Ubá, ficou órfão com apenas 8 anos e foi criado pela avó. Estudou teoria, solfejo e piano e aos 12 anos já trabalhava como pianista auxiliar no Cinema Ideal, em sua cidade.
O seu encontro com a cidade do samba veio aos 17 anos, quando recebeu uma herança de 40 contos e foi para o Rio de Janeiro estudar Direito. Adepto da boemia, gastou sua herança, foi reprovado na faculdade e teve de trabalhar novamente como pianista, agora no Cinema Íris, no Largo da Carioca. Trabalhou também na sala de espera do Teatro Carlos Gomes com a orquestra do maestro Sebastião Cirino e tocou ainda em muitas outras orquestras. Em 1926 retomou os estudos de Direito, sem deixar a atividade de pianista.
Na década de 30, escreveu as primeiras composições para o teatro musicado carioca. Inclusive Aquarela do Brasil, que inaugurou esse estilo de samba menos rústico e mais sofisticado, exaltando as qualidades e a grandiosidade do país, uma verdadeira obra-prima, que teve centenas de gravações em todo o mundo e foi uma das músicas brasileiras que mais produziu direitos autorais no exterior.
Aqui, como em muitos lugares do mundo há mazelas – corrupção, miséria, violência –, mas é impossível não enxergar também esse Brasil que Ary Barroso cantou. Esse Brasil que é mistura de cores, pintura de gente, de céu, de mar, de tanta natureza, de “…fontes murmurantes/Aonde eu mato a minha sede/E onde a lua vem brincar…”. Esse Brasil da alegria, que escorrega, mas levanta e lança um sorriso fácil a cada batida de um samba. Esse Brasil que merece ser cantado em versos, em cores, essa “terra de nosso senhor” que Ary Barroso quis para si e, confesso, também sinto tanto para mim.
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br . Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.