Medianeras, barreiras a serem quebradas, artigo de Anoushe Duarte Silveira.
Somente esta semana consegui assistir ao filme argentino Medianeras, de Gustavo Taretto. Gostei muito do tema abordado a solidão na era do amor virtual e mais ainda da maneira um tanto poética como ele o apresentou. A metáfora da arquitetura como grande vilã e causadora do isolamento e da falta de comunicação entre as pessoas soa totalmente coerente quando vivemos nos tempos da solidão do delivery, do torpedo, do e-mail e do chat.
No inicio do filme, o personagem diz, “estou convencido de que as separações, os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, o suicídio, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, as contraturas, a insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e da construção civil. Desses males, salvo o suicídio, padeço de todos”. Ele narra enquanto é mostrada uma sequência de prédios erguidos em Buenos Aires, segundo o protagonista, sem nenhum critério. “Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade superpovoada em um pais deserto”. Paradoxalmente, a cidade que une as pessoas é a mesma que as separa e a tecnologia que chegou com a promessa de nos tornar a todo tempo conectados e cada vez mais próximos ao mundo é a mesma que proporciona um estilo de vida totalmente virtual, com relacionamentos cada vez mais fluidos.
Como metáfora dos conflitos de nossa existência, o diretor usou as ‘medianeras’ aquelas paredes cegas voltadas para prédios vizinhos onde não há janelas. Essas paredes são o nosso lado escuro dores, fissuras, problemas varridos para debaixo do tapete. No filme, os personagens, ambos solitários, moram no que eles chamam de caixas de sapatos (nossas kitnetes) em prédios vizinhos e decidem abrir janelas nessas paredes para que entre luz. Uma janela acaba ficando de frente para a outra e, nesse momento, eles se enxergam. É quando também eles começam a sair dessa situação solitária — o buraco aberto representa uma mudança de vida.
Acho que é uma bela reflexão a fazermos: começarmos a abrir janelas em nossas vidas em busca de mais proximidade real, de uma verdadeira comunicação; tomarmos, enfim, coragem para consertar antigas fissuras…Os personagens tomaram essa decisão contra um modo de vida isolado e escuro. Cabe a cada um de nós quebrar barreiras, nossas ‘medianeras‘ individuais que impedem que entrem mudanças em nossas vidas.
Anoushe Duarte Silveiraé brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.