Onde vamos parar?, artigo de Anoushe Duarte Silveira
As civilizações atuais estão sempre se denominando mais evoluídas que as anteriores. Em alguns aspectos isso pode até ser verdade, mas em muitos outros cabe uma boa reflexão. Tive essa certeza quando, há alguns dias, me vi diante das ruínas da cidade perdida dos Incas, Macchu Picchu.
Os Incas descenderam das famílias dos arredores de Cuzco e foram os criadores da primeira sociedade multicultural do Peru, por volta de 1197. Em relação às construções, não há o que se questionar, eram construtores exímios. Mesmo sem conhecer a roda, conseguiram ocupar quatro mil quilômetros ao longo da Cordilheira dos Andes e, sem utilizar argamassa, edificaram paredes tão perfeitamente ajustadas que era impossível introduzir a lâmina de uma faca entre as pedras. Possuíam um notável conhecimento de engenharia e arquitetura.
Porém, foram aspectos sobre a maneira como eles viviam, em contraste com o modo como vivemos na atualidade, que me levaram à reflexão. Por exemplo, os Incas tinham uma capacidade inata de construir em harmonia com o meio ambiente. No Vale Sagrado, que era uma espécie de representação do céu na terra, nota-se que os templos e fortalezas interagem com a natureza. As civilizações atuais, ao contrário, avançam com suas construções, suas estradas, suas pontes, seus edifícios, seus shoppings gigantes, destruindo cada vez mais o meio ambiente.
Aliás, a natureza era tão respeitada que era cultuada, a religião inca, por exemplo, tinha como seu principal deus o sol. E nós, como tratamos nossa Paccha Mama (Mãe Terra)? Definitivamente, não a tratamos como uma mãe, com o respeito que deveríamos ter por aquela que tudo nos provê.
Os Incas viviam em comunidade, muito diferente da maneira como vivemos. O mundo está cada vez mais individualista: o importante não é realizar o trabalho, mas se destacar, o conjunto não importa. Também não interessa se uma criança está sendo espancada, uma mulher violentada ou um homem roubado, o importante é manter-se distante e ileso. A maior parte das pessoas preocupa-se somente consigo e os poucos que realizam algo em prol de uma comunidade são taxados de loucos, visionários, utópicos, extravagantes. Afinal, tudo que foge ao benefício próprio soa como perda de tempo.
Eles cultivavam comida saudável e a nossa está cada vez mais “cheia de ratos“. Não foi o que encontraram na garrafa da coca-cola? Em prol de economia de tempo, proliferam comidas e bebidas tipo fast-food — cheias de sal, gordura e açúcares — e a população está cada vez mais doente e obesa. E pior, as crianças estão cada vez mais doentes e obesas, porque falta tempo para preparar uma comida saudável em casa, com todos os nutrientes que elas precisam.
E por falar em tempo, a relação com o tempo também era outra para eles. Levaram anos para construir edificações sólidas o suficiente para que hoje possamos vê-las e para perpetuar a sua civilização… E nós? O que de sólido construímos? Nem casas, e pior, nem relações, está tudo sempre muito volátil.
Sei que não era uma sociedade perfeita, afinal perfeição nem existe, mas acho que cabe uma boa reflexão se de fato estamos evoluindo e para onde. Eles adoravam ao sol, à terra, à natureza, à comunidade, à solidez e nossa sociedade idolatra o poder, o dinheiro, a fama, a rapidez a todo custo, o individualismo e parece que já estamos pagando um preço alto por cultuar falsos deuses… Estamos evoluindo? Para onde? Onde vamos parar?
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.