Um outro olhar sobre o lixo, artigo de Anoushe Duarte Silveira.
Fotos: Agência Brasil
O Jardim Gramacho, considerado o maior aterro sanitário da América Latina, foi interditado no dia 03 de junho e agora passará por um processo de recuperação ambiental. O depósito recebeu durante 34 anos a maior parte do lixo procedente do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias. Mais de 7 mil toneladas de resíduos gerados diariamente eram jogados em montanhas a céu aberto.
A ideia é fechar todos os lixões do país, certamente um grande avanço para o meio ambiente. No caso do Gramacho, outras tentativas de desativação já haviam sido feitas e a principal razão dos vários adiamentos foram as indenizações dos mais de 1700 catadores que sobreviviam do trabalho no local. E é deles que quero lembrar, do lado humano do lixão.
No ano passado, assisti ao documentário ¨Lixo Extraordinário¨, gravado ao longo de três anos para acompanhar um projeto social do artista plástico brasileiro Vik Muniz com catadores do lixão de Gramacho. Uma frase de um deles me marcou muito, na verdade, uma grande lição de cidadania e compromisso com o meio ambiente. Ele disse: “Uma latinha jogada no lixo faz diferença: 99 não é 100”.
Esse senhor tinha mais de 26 anos de profissão e uma consciência ambiental maior que a de muitos “letrados” espalhados por ai. No filme, outra catadora alerta: “…as pessoas sentam-se em frente à televisão e disparam a jogar lixo sem a menor preocupação de para onde isso vai…” E é exatamente assim que acontece, damos a nossa contribuição diária para o acúmulo de toneladas de resíduos em sucessivos atos mecânicos e impensados de desperdício.
Com o fechamento do aterro, para onde vão esses catadores? Li em matérias divulgadas sobre o assunto que alguns continuarão no ramo da reciclagem, outros tentarão estudar, mas muitos precisarão gastar os R$ 14 mil de indenização com a saúde, danificada após longos anos de serviço insalubre.
Infelizmente, esse senhor com mais de 26 anos de lixão faleceu de câncer, mas o seu ensinamento deve ficar. Não somos seres isolados, portanto, todas as nossas atitudes fazem diferença, as boas e as más. Se somadas a 99 atitudes éticas, cidadãs e solidárias seremos um grupo de 100 a disseminar bons exemplos a tantos outros mil. Mas na mesma medida, uma atitude incorreta somada a outras 99 vai reforçar o grupo daqueles que não se importam com mais ninguém e vai diminuir a força de pessoas como esse catador e tantos outros que deram e continuarão a dar sua contribuição fora do lixão para um mundo bem melhor.
¨O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor¨. Madre Teresa de Calcutá.
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em coautoria, selecionados em concursos literários.