Arrogância velada, artigo de Anoushe Duarte Silveira.
Tem gente que ocupa cargos de imensa responsabilidade, precisa controlar o trabalho de cem, talvez mil pessoas, mas não sabe gerenciar suas próprias emoções e ações. Fica perdido e age como criança em pequenas situações… Então, refleti sobre um sentimento inerente a todos nós, seres humanos, que é a arrogância. Algumas pessoas são mais arrogantes, outras menos, umas demonstram mais, outras conseguem se conter. Respeitados os níveis, todos temos.
Algumas pessoas verdadeiramente acreditam ser melhores que outras. Incrível! Quantas vezes em nossas vidas presenciamos shows de soberba: “Sabe com quem você falando?”, “Fulano não é bom o bastante para minha filha”, “Aquela garota é suburbana, não tem instrução, não sabe se vestir, não é culta como eu…”, “Qual cargo você ocupa?”. E por aí vai…
Mas tem a arrogância velada. Aquela que achamos que não temos, porque, afinal, somos bacanas demais para tais sentimentos. Ouvindo mais uma linda composição de Chico Buarque percebi em mim uma dessas arrogâncias… A música é “Essa Pequena” e diz o seguinte:
Meu tempo é curto, o tempo dela sobra
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora
Temo que não dure muito a nossa novela, mas
Eu sou tão feliz com ela…
…Feito avarento, conto os meus minutos
Cada segundo que se esvai
Cuidando dela, que anda noutro mundo
Ela que esbanja suas horas ao vento, ai…
A arrogância sobre a qual a música me fez refletir é a da juventude. Na verdade, a arrogância de pensarmos que por sermos jovens somos eternos… Já me peguei dizendo coisas como: não tenho medo da morte. E um amigo me disse: “quando você tiver mais de 60 anos, vai ter”.
A questão não é ficar preventivamente pensando em coisas ruins, isso não nos leva a lugar algum. A soberba, ao menos acho, está em pensar que por sermos jovens podemos desperdiçar tempo; que por sermos jovens não precisamos ser avarentos com a qualidade dos nossos minutos; que por sermos jovens podemos esbanjar horas ao vento. Só Deus sabe quantas horas temos…
O tempo que todos nós temos — jovens, velhos, crianças — é o do agora. Ser jovens não nos faz melhor, ao contrário, falta a tal da experiência… Por isso é importante fazer boas escolhas hoje, não deixar para amanhã. Estar ao lado de quem se ama, visitar lugares que nos despertem interesse, buscar situações que nos tragam alegria, melhorar a qualidade do nosso tempo… Hoje!
É claro que existem situações que não nos permitem escolha, mas em todas as outras que nos cabe, é bom, sim, ter cuidado e paciência para buscar o melhor, o que nos faz bem, seja no amor, no trabalho, na escolha de amigos. Eliminar do nosso convívio palavras, situações e pessoas desnecessárias, a começar pelos tiranos a que me referi no início do texto. E, quanto ao restante, talvez a grande sacada seja aprender e obter o melhor de todas as experiências: daqueles que têm cabelos cinza ou cor de abóbora, dos ricos e pobres, das relações breves ou longas… E procurar viver bem, ser feliz, tentar eliminar todos os tipos de arrogância, inclusive as veladas.
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.