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Banzo. Não existe propriamente um significado para a palavra, é mais um estado de espírito do que algo que se possa denominar. Mas tenho certeza de que muita gente já sentiu algo similar. Usavam esse termo quando os escravos trazidos da África apresentavam uma grande apatia, desânimo, melanconia pela distância de sua terra natal ou ausência de uma pessoa específica. Muitas vezes chegavam a morrer, tamanha era a tristeza.
Presenciei algo bem parecido esta semana. No dia 24 de junho é comemorado o dia de São João e, no Nordeste, a data é amplamente comemorada com festejos que , na verdade, duram o mês inteiro e têm seu ponto alto nos dias 23 e 24. São danças típicas, forrós, fogueiras, comidas tradicionais, festa que atrai milhões de pessoas de todos os cantos do Brasil.
Uma amiga que é nordestina e atualmente está morando sozinha em Brasília sentiu algo parecido ao banzo. Ela não conseguiu passagem para participar dos festejos com a família e no dia 23, para piorar a situação, começou a fazer ligações e seus conhecidos e familiares estavam todos em plena comemoração. Ela conta que, sozinha em seu apartamento, chegava a sentir o cheirinho da fogueira, o som da “chuvinha” (fogos), e sentiu uma apatia sem tamanho… Lembrou-se dos tempos de criança em que o pai acendia uma fogueira na porta da casa, assava carne de sol, a mãe preparava comidas típicas, ao som de Luiz Gonzaga, tudo muito regado a amor e afeto.
Como são importantes as tradições, pensei, e talvez somente nesses momentos de separação nos demos conta do quão elas são arraigadas. Neste país continental, onde impera a diversidade, é fácil sentir-se fora do contexto, perdido em meio a tantas tradições culturais, étnicas, linguísticas distintas. Se hoje é festa no nordeste, quase nada se comemora no centro-oeste… Se no sul veste-se bombacha, o calor do norte pede algo mais leve. Se para onde você for, não houver aconchego, é possível mesmo sentir-se como um estrangeiro em seu próprio país.
Só sentimos saudades do que é bom e quando estamos distantes dos nossos, verdadeiramente nos reconhecemos. Nesses momentos em que buscamos essa identificação é mesmo muito fácil cruzarmos os sentidos, sinestesia… Fora de casa, posso sentir a cor estridente do céu de Brasília, assim como essa amiga ouviu a doce melodia do Luiz Gonzaga de sua infância… É sempre muito bom imergir em novas tradições, provar novos sabores, sentir diferentes cheiros, mas depois de tudo isso ter a certeza de poder voltar às origens… Talvez fosse a certeza de nunca mais regressar a casa que tenha provocado nos escravos o banzo.
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.