Silêncio perturbador, artigo de Anoushe Duarte Silveira.
O silêncio é no mínimo perturbador. Falar é muito mais fácil que silenciar as palavras, pensar é mais fácil que esvaziar a mente, mergulhar no barulho da multidão é mais confortante que se deparar com seu próprio silêncio. Imagine um concerto dividido em três atos de silêncio…
No dia 05 de setembro deste ano, o controverso compositor John Cage faria 100 anos. Mais um centenário que merece destaque. Inevitavelmente, o músico é lembrado por sua mais criticada peça 4’33″. Ela foicomposta para qualquer instrumento (ou combinação de instrumentos) e a pontuação instrui o intérprete a não tocar o instrumento durante toda a duração da peça ao longo dos três movimentos. A ideia é ouvir os sons do ambiente, um som que não pode ser controlado pelo músico. E há ainda a ideia de que todos os sons constituem, ou podem constituir, a música.
Cage se voltou para outras concepções de música, questionando o paradigma ocidental que a explicava como uma série ordenada de notas, o que se esperaria de um concerto “normal”. Na verdade, a peça não pode ser chamada de silenciosa, porque silenciam-se os instrumentos, mas ouve-se o ruído do ambiente. Segundo a concepção oriental de música pesquisada por ele, ouve-se o som do teatro ao qual se presta atenção.
O pianista David Tudor estreou a peça 4’33” em 29 de agosto de 1952, em Woodstock, Nova York, como parte de um recital de música de piano contemporâneo. Eu assisti a um vídeo de um concerto dedicado a JohnCage no You Tube e realmente é perturbador.
(http://www.youtube.com/watch?v=hUJagb7hL0E)
Ouve-se tosses, espirros, estalos das poltronas, pigarros e percebe-se a inquietude do público e dos próprios músicos ao se depararem com o silêncio dos intrumentos. Tudo que foge ao normal, choca! Talvez por isso esse concerto tenha recebido tantas críticas.
Acho que é uma boa reflexão a se fazer. Sobretudo para nós, ocidentais, que estamos sempre em busca de ocupar cada vez mais o nosso tempo, o nosso pensamento, e nos habituamos aos ruídos de buzinas, freios de veículos, gritos, volumes altos e temos isso como “o natural”. Às vezes é preciso exercitar o silêncio, seja da mente, das palavras, dos gestos para conseguir enxergar novos tipos de sons e visões.
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.