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Como disse Adélia Prado, “Erótica é a Alma”, artigo de Anoushe Duarte Silveira

Chavela Vargas. Foto:Divulgação.
Há um ano, no mês de agosto, morreu a cantora mexicana, de origem costarriquenha, Izabel Vargas Lizano, mais conhecida como Chavela Vargas. A artista tinha 93 anos e uma vida intensa, assim como sua voz. Chavela foi autora de mais de 80 álbuns de canções rancheiras mexicanas.
Não conhecia sua história de vida e, quando ouvi uma matéria no rádio sobre ela, fiquei impressionada com sua coragem. Chavela fugiu de seu país aos 14 anos e foi cantar nas ruas do México. Além da bela voz, também tornou-se conhecida por vestir-se de homem, carregar uma pistola no palco e ter sido amante da artista mexicana Frida Kahlo. Imagine o que enfrentou pelas circunstâncias da época, anos de 1940 e 1950… Tanto que ela só falou abertamente sobre a sua homossexualidade aos 81 anos, quando publicou uma autobiografia intitulada Y si quieres saber de mi passado.
À parte o seu valor artístico inquestionável, Chavela tornou-se conhecida também por sua maneira particular de compreender o mundo. Ela foi musa de poetas e cineastas, como Pedro Almodóvar. Sobre ela, o cineasta disse: “Não acredito que haja neste mundo um palco suficientemente grande para ela”.
Chavela não deixou como legado apenas suas canções e a maneira visceral de interpretá-las notas musicais recheadas de pranto mas principalmente sua liberdade, seu caráter rebelde e contestador. E também sua autenticidade, em minha humilde opinião, artigo bem em falta… Parece que as pessoas hoje em dia têm medo de se mostrarem como são, de se revelarem por dentro, de se assumirem diferentes e ela sempre teve uma postura autêntica e nada submissa. Em entrevista ao El País Semanal, em 2009, disse: “(…) saudade é liberdade. Ser livre é o mais belo. Eu não tenho jugos. Não me agacho perante nada. Jamais. (…) A alma vale mais que os milhões. Encanta-me ser assim e é assim que vou morrer, livre, porque já não me falta muito. Estou consciente de que estou a terminar a minha caminhada. Não há que ter tristezas. Digo-o tranquila, sem amargura”.
A sua maneira peculiar de cantar nos transporta a outro mundo, muitas vezes um mundo de dor. Talvez por seu passado difícil que precisou ser esquecido, mas que foi alicerce para aflorar essa artista tão intensa, verdadeira e autêntica. Uma voz que te convida a sentimentos instintivos e primitivos e que dão mais força às letras das canções.
Quando a ouvimos, somos convidados a sentir “a cruz do esquecimento”, a dor do amor, a delícia de calar com beijos e até mesmo o choro carinhoso, como “pimenta verde, chorona, picante, mas saborosa”.
Alguém que com apenas 14 anos sai de seu país para buscar paz e uma carreira não poderia tornar-se uma mulher diferente. Ela é pura coragem, garra, desafio e é fácil sentir tudo isso em sua música. Talvez, por toda essa intensidade, ela tenha sido musa de poetas e cineastas. Afinal, como bem disse a escritora Adélia Prado, “Erótica é a Alma”.
Chavela Vargas aos 90 anos, “así me voy a morir, sin yugos”
“(…) sinto-me muito contente. Cumpri uma missão. Com muito gosto. Sem ser forçada. Com amargura às vezes. Com dor mais que tudo. Mas isso passou. Não deixou cicatrizes na minha vida. Não tenho más recordações. Foi tudo belíssimo.”
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.