Mário Lago, apaixonado pela arte, artigo de Anoushe Duarte Silveira.
“Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra”. Essa é uma daquelas frases fantásticas que eu gostaria de ter dito, mas Mário Lago disse primeiro.
Mário Lago foi ator e autor de teatro, rádio e televisão, poeta, advogado, escritor, autor de sambas populares como “Ai, que saudades da Amélia” e “Atire a primeira pedra”, ambos em parceria com Ataulfo Alves. O auge da sua popularidade foi entre as décadas de 40 e 50. Caso estivesse vivo faria 101 anos.
Começou tocando clássicos no piano, mas quando ouvia um sambinha logo pensava:”meu negócio é esse”. Seu pai era maestro, sua mãe cantava e dava recitais, seu vizinho era nada mais nada menos que Heitor Villa Lobos. Ele estudou por muito anos piano com a esposa de Villa Lobos, Lucília Guimarães, mas o samba bateu mais forte. “Pedi desculpas ao Chopin, ao Bethoven e enveredei pelo samba”.
Acho que a chave do sucesso profissional está em perceber qual negócio é que te cabe.
Se Mario Lago tivesse enveredado para o lado da música clássica, não teríamos a Amélia, tão famosa que virou sinônimo de mulher submissa, resignada e dedicada aos trabalhos domésticos. Depois ele explicou que escolheram este caminho, de mulher submissa, mas na verdade compôs a letra enfatizando a solidariedade, tendo como exemplo sua esposa e sua mãe. “Eu nunca vi fazer tanta exigência, nem fazer o que você me faz. Você não sabe o que é consciência, não vê que eu sou um pobre rapaz? Você só pensa em luxo e riqueza. Tudo o que você vê, você quer. Ai, meu Deus que saudade da Amélia. Aquilo sim, é que era mulher”.
Segundo ele, a Amélia não exigia. Tinha, tinha.
Não tinha, o que se pode fazer? Na sua concepção, Amélia é uma mulher solidária, não é uma mulher resignada.
Se Mário Lago não tivesse feito o que gosta, também não teríamos a marchinha que brinca com a falsidade da Aurora ou o samba que canta a mulher infernal, muito menos “…nada além…nada além de uma ilusão”— um apelo triste para que reste uma linda ilusão do amor, já que o amor, segundo ele, “só nos causa sofrimento e dor”. E isso se ressaltarmos apenas o seu lado musical, se Mário Lago não fosse um apaixonado pela arte ficaríamos sem tudo aquilo que ele protagonizou no teatro, na rádio e na televisão brasileira.
Ser um apaixonado pelo que faz é o ingrediente principal para um resultado bem sucedido. Em quase tudo na vida, em quase todo tipo de profissão e ouso apostar que nas artes seja ainda mais, nunca ouvi um artista reclamar que não gosta do que faz… Hoje ouvi uma entrevista no rádio que corroborou essa minha suspeita. Ao falar sobre sua profissão, o percussionista, maranhense de Tocoira, Carlos Pial disse: “para viver só de música é preciso trabalhar muito, mas vou sempre com um sorriso no rosto”. Acho que Mário Lago viveu e partiu com esse mesmo sorriso.
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.