Um pássaro sem um plano de vôo, artigo de Anoushe Duarte Silveira.
Existem pessoas que conseguem manifestar divinamente suas angústias, medos, revoltas e questionamentos por meio da arte. Pessoas verdadeiramente abençoadas pelo dom de saber transmitir emoções e estimular diversas instâncias da consciência para dar um significado único a cada obra, seja uma pintura, uma poesia, uma canção, uma dança… Tem gente que lateja arte.
Até assistir ao filme do diretor chileno Andrés Wood, Violeta foi para o céu, que mergulha na vida da artista Violeta Parra, só conhecia uma face da artista, a música, belíssimas canções, como Gracias a la vida, que expressa a alma da sua nação e protesta contra injustiças sociais. Violeta cantava contra o imperialismo, era a voz dos camponeses pobres e oprimidos. Como foram no Brasil as canções de Chico Buarque, Geraldo Vandré, Elis Regina e outros artistas que entoaram hinos de liberdade em resistência à ditadura militar.
Mas o talento da chilena Violeta Parra não ficou restrito apenas à sua música, que já seria bastante: também foi colecionadora, poetisa, pintora, escultora, bordadeira e ceramista. Uma artista multifacetada, uma dessas pessoas que lateja arte, como descrevi no início. Em 1964, o jornal francês Le Figaro escreveu: Leonardo da Vinci terminou no Louvre. Violeta Parra começa nele.
A vida, as pessoas, sobretudo a tradição popular foram a sua escola. Não seguia regras, somente a intuição. Aos mais novos ela aconselhou: “Escreva como você gosta, use os ritmos que aparecerem, tente diferentes instrumentos, sente-se ao piano, destrua o que é linear, grite ao invés de cantar, arrase na guitarra e toque a buzina. Odeie matemática e ame redemoinhos. Criação é um pássaro sem um plano de vôo, que nunca irá voar em uma linha reta”.
Em tempos onde a arte é tratada como mercadoria, quando muitas “canções” incentivam o fútil, o consumismo exacerbado seja de coisa ou de gente é fundamental lembrar de Violeta Parra e de tantos outros artistas que colocaram sua arte à serviço daqueles que são impedidos de se expressar pela repressão do poder, da fome e da ignorância.Gracias a Violeta Parra!
˝Gracias a la vida que me ha dado tanto/ Ha dado la risa me ha dado el llanto/ Así yo distingo dicha de quebranto/ los dos materiales que formam mi canto/ Y el canto de ustedes que es el mismo canto/ Y el canto de todos que es mi proprio canto”. Violeta Parra
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br Possui livros publicados em coautoria, selecionados em concursos literários.