A melhor forma de respeitar é respeitando, artigo de Anoushe Duarte Silveira.
Hoje eu me lembrei de uma peça de teatro chamada “A Carne do Mundo”, que assisti há alguns anos. O espetáculo é denso, com recursos da psicanálise e da literatura, e tem a proposta de discutir as perversões presentes no dia-a-dia das relações amorosas. E o que mais me chamou a atenção foram os diálogos.
Em algum momento da peça, um deles (do casal) levantou a questão do vazio ao lado: como é conflitante conviver diariamente com uma pessoa, dormir na mesma cama, compartilhar seu corpo, sua rotina e não ter a menor ideia do que se passa na mente e na alma do seu companheiro(a). Ao menos essa foi a minha leitura do que pode ser o vazio ao lado. E isso vale não só para o seu companheiro(a), mas para o colega de trabalho ao lado, mãe, pai, filho(a), vizinho(a), seus empregados(as), enfim…
É muito difícil transpor a obviedade da rotina e penetrar no universo alheio… Ou seja, se ela(e) está comendo, bebendo, trabalhando, logo, está feliz. Será? Talvez você não se pergunte porque te doa muito saber… Mais fácil então manter-se numa zona de conforto, que reforça a solidão acompanhada — não sei o que te incomoda, não sei o que você gosta, não sei o que você quer, não sei o que você sente. A gente vive mesmo é se cercando de justificativas que nos impedem de avaliar o quão ausente somos na vida alheia. E se a consciência não pesa — não ligo porque ele(a) não liga, não pergunto porque ele(a) é fechado(a), não abraço porque ele(a) não gosta — a gente segue achando que está oferecendo o melhor de si.
E é uma via de mão dupla. Você acaba se tornando tão bom em não perguntar e não responder que, dependendo do tempo que permaneça nesse jogo, descobre que já nem sabe mais o que esconder: um dia você acorda e já não sabe mais o que você gosta, o que você quer, quem é você. Resta somente aquela conversa superficial de sempre. Doido o ser humano, não? Como a gente complica onde não deveria existir complicação…
Li um trecho de uma crônica da Marta Medeiros referindo-se a relacionamentos amorosos, mas que vale para todo tipo de relacionamento, e finalizo com ele para nossa reflexão…
“… Mas amar também dói muito quando ele não sabe o que você sente. Não engane tal pessoa, não seja grosso(a) e rude esperando que ela(e) adivinhe o que você quer. Não o force a terminar contigo, pois a melhor forma de ser respeitado é respeitando.”
Anoushe Duarte Silveira é brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br. Possui livros publicados em co-autoria, selecionados em concursos literários.