Um toque de imaginação, artigo de Anoushe Duarte Silveira.
Assisti a um peça de teatro intitulada Isso é o que ela pensa. Susan, uma mulher de meia idade, de classe média, cai no jardim de sua casa. A partir desse acidente, passa a relacionar-se com uma família imaginária, paralela à sua: são figuras idealizadas e extremamente privilegiadas. Essa família é exatamente o oposto da sua: seu marido, um vigário convencido; sua cunhada, uma péssima cozinheira e seu filho adepto de uma seita onde ficou recluso durante anos sem poder falar com a mãe e o pai.
Fiquei pensando em quantas pessoas sobrevivem do imaginário por não conseguir encarar a real dureza de suas cruzes ou que buscam no imaginário a alegria que não pode ser extraída da vida real. Vi uma foto postada no facebook que mostra bem o segundo caso. São meninos, com instrumentos feitos de madeira que não tocam: as guitarras são pedaços de pau sem cordas, o pandeiro, uma bacia, a bateria, galões de plástico e microfones imaginários. E colocaram a frase de Fernando Pessoa: ” A arte nasce quando viver não é o suficiente para exprimir a vida”.
O imaginário salva…Ainda bem que temos esse poder. Uma vida imaginária fruto da tristeza, no caso da personagem Susan, mas uma imaginação totalmente criativa e alegre como no caso dos meninos que não tinham dinheiro para comprar instrumentos de verdade, mas se realizaram em sua arte ilusória. Como disse o filósofo Nietzsche: “A arte existe para que a verdade não nos destrua”.
De uma maneira ou de outra, viver em mundos imaginários torna-se fuga necessária. Acho que as crianças são mais competentes quando se trata de buscar alegria na imaginação. A gente vai envelhecendo e vai perdendo um pouco desse poder. Quando sente-se só, logo a criança cria um amigo imaginário; se não tem presentes, imagina que a caixinha de fósforo é um carro, um papel amassado vira uma bola, duas latinha e um barbante, um telefone. E é tudo muito lúdico e lindo e a realidade torna-se mais leve… Adulto vai perdendo essa capacidade de criar, de brincar, e então, só se volta ao imaginário quando não dá conta mais da vida, como no caso de Susan. Claro que existem adultos que não perderam completamente a sua capacidade de imaginar como crianças, mas infelizmente, a maioria, sim.
O desafio do adulto é saber dosar os dois mundos, acho que a criança faz isso melhor. Não é nada simples, mas cabe em muitas situações da vida. Então, se faltarem instrumentos, a gente canta, esfrega a faca no prato, batuca no fundo do balde; se bater a solidão, a gente vai em busca daquele amigo que só se tornou imaginário pelas contingências da vida; se faltar colo do pai e da mãe, a gente imagina que o do amigo é tão caloroso quanto; se faltar um banquete, a gente imagina que o sanduíche tornou-se um; se faltar o amor, a gente imagina que estamos a um passo de encontrá-lo. E quem sabe os dias tornem-se mais leves e a realidade menos dura!
Anoushe Duarte Silveiraé brasiliense, jornalista e bacharel em direito, pós graduada em documentário – com especialização em roteiros. Possui textos publicados em jornais e revistas e nos blogs http://www.amigas-da-leitura.blogspot.com/ e http://www.recantodasletras.com.br Possui livros publicados em coautoria, selecionados em concursos literários.